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Obrigado, Paulo!


 

Ao som de "If I Die Young", The Band Perry


Terça-feira fui dormir triste e ontem acordei algo triste-reflexivo. Penso ser uma emoção comum quando alguém importante morre. É assim que considero o ator Paulo Gustavo: importante.

Talvez você esteja pensando: "mas você nem era próximo dele, Éverton. Por que está tão triste?". Confesso que não sei elaborar com a lucidez necessária tudo o que passa aqui dentro de mim e é justamente por isso que estou aqui...

Paulo Gustavo era para mim uma espécie "permissão permanente" para a autenticidade.

Para quem me conhece na intimidade, sabe que sou uma pessoa mais contida e reservada. Com o passar dos anos isso têm sido melhor elaborado, bastante por influência indireta de Paulo Gustavo, mas penso que demorará um pouco mais de tempo até voltar a ser eu.

Sendo um menino do interior de Minas, nas décadas de 80 e 90, certos hábitos e comportamentos eram impostos e gravados ao estalo do cinto e pelo medo e dor a gente se força a ser diferente; as experiências de vida só ajudam a enclausurar o restante da autenticidade.

Quando criança eu fui um menino alegre, serelepe, divertido, entregue à vida, dado (como diz mamãe até hoje em tom de reprovação). Mas essa alegria "exagerada" não me era autorizada ou permitida.

"Para de pular, Éverton.", "Para de brincar, Éverton", "Não ri tão alto, Éverton", "Não conversa com todo mundo, Éverton", "Não dança, Éverton", "Homem não age assim, Éverton", "Menino não brinca desse jeito, Éverton", "Anda direito, Éverton"... 

Conseguiria escrever mais umas 200 expressões como essa, ouvidas tantas vezes, de tantas maneiras e vindas de tantas pessoas (principalmente meus pais e irm@s), que aos poucos fui me moldando e acreditando nisso.

Obs.: não acredito que eles tenham feito com maldade, apenas eram limitados pelo que existia na época.

Com o tempo parei de pular e brincar; depois de dançar; depois de conversar com as pessoas; depois de rir; por fim de sorrir. Eu fui direcionado  e ensinado a ser assim até que comecei a ver certo conforto em me manter nesse lugar.

Encontrei refugio e aceitação nos livros, que me permitiam ser quem eu quisesse, ir para onde eu preferisse e experimentar a diversidade que aquelas páginas continham.

Quanto mais velho ia ficando, aconteciam ocasionalmente pequenos atos de rebeldia, como forma inconsistente e imatura de tentar tomar as rédeas de minha vida. Um exemplo disso foi ter feito ballet. Mas ainda era insuficiente e sentia que não tinha força para fazer mais.

Os anos passavam e eu estava mais do que acostumado à "persona" vestida. E ela foi tão bem encaixada que se fundiu ao meu rosto. Quando eu ria, era com a dose exata de contenção para não demonstrar frieza e ao mesmo tempo não ser exagerado; quando eu brincava, tinha a coerência de alguém que não extrapolava as próprias emoções como deveria, pois isso seria mal visto. Jamais falava ou falei o que sentia pelas pessoas, pois isso era jogar "a primeira pá de terra" sobre minha pequena reputação conquistada.

Tudo ia bem, quando em um determinado dia de 2010 vi um homem HILÁRIO passando em um programa de tv por assinatura. Fiquei embasbacado e atônito. Como era possível existir alguém tão livre e consciente dessa liberdade?

Fui dormir naquela noite com a cabeça girando. No dia seguinte esse ator desconhecido por mim seria tema de minha terapia. Dias depois, quase obcecado, descobri que ele chamava Paulo Gustavo.

Obviamente que esse sentimento avassalador que senti por ele não durou muito, pois naquela época eu não me permitia expressar tanto meus sentimentos.

Contudo, era quase terapêutico sempre que o via na tv: cada gracinha que ele fazia em cena, eu sentia que era eu me expressando um pouco por meio dele, assim como cada risada alta e gigante que ele dava, eu me sentia contemplado, como se ele tivesse rido por ele e por mim. As danças, as respostas espirituosas, os erros de gravação... tudo acalentava um "Éverton" incompreendido, enquanto dava força para que a autenticidade despertasse de seu longo sono e retornasse.

A psicoterapia me ajudou a ver que as expressões dele eram DELE e que minha fantasia podia ajudar momentaneamente, mas seria imprescindível que um dia eu me realizasse por mim mesmo. Eu odiei minha psicoterapeuta na época! (rsrsrsrs)

Os anos foram passando e eventualmente compreendi minha maneira de ser. Ainda não a vivo na plenitude, mas sei que chego lá.

Consegui tirar Paulo Gustavo do pedestal em que o coloquei e passei a ter o carinhoso sentimento de gratidão e respeito por ele ter sido o "click" que eu precisava para sair de meu casulo.

*

Fiquei triste quando os veículos de imprensa noticiaram que Paulo fora internado por causa da covid-19, mas não me preocupei de verdade; pensava que como estava acontecendo com muitos, ele voltaria em breve com ainda mais humor a nos alegrar!

Os dias passavam e o quadro dele piorava gradativamente e eu passei a fazer parte das correntes de oração "promovidas" por amigos e familiares dele.

Então, quando foi noticiada oficialmente a morte dele, depois de mais de 50 dias hospitalizado, eu falei com espanto e confusão: "Meu Deus... o Paulo morreu"!

Uma "avalanche" de memórias sobre ele desfilou em minha mente, cada uma trazendo emoções bastante distinguíveis e eu pensava: "E agora? Quem vai me desafiar a ser eu de novo?".

Pouco a pouco deixei meu egoismo de lado e pensei na família e nos amigos próximos; nos filhos pequenos e no marido dele, imaginando a dor! E me veio um sentimento de impotência gigante...

Eu sei que cada um experimentará o luto como conseguir e precisar e do fundo da alma envio sentimentos e energias de força e paz para o marido e a família!

De minha parte, digo simplesmente: "Obrigado, Paulo!". Parece simples, mas em mim têm todos os significados que eu posso expressar para alguém que foi e continuará sendo importante para o meu autodespertamento.


(vivência e sentimento explícitos, banhados de muitas lágrimas durante a escrita)

Comentários

Naiara disse…
Você sempre me fazendo cair-cisco-nos-olhos.
Com carinho de quem pode ver um pouco do Everton contido, mas que podia se abrir um pouco com essa pessoa aqui, sinta meu forte abraço.

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