Ao som de "De cada vez", Sandy feat. Agnes Nunes
Olhei você e me vi, em algum nível.
Olhar cansado, fixo em um ponto insignificante para dar espaço à ação da memória, dizendo na inexpressividade que você estava em um lugar não autorizado a qualquer um.
Seus olhos com olheiras demonstravam desesperança, que não saberia dizer a quanto tempo se instalaram aí! E sua camiseta cinza e sua calça preta pareciam refletir seu estado de espírito melhor do que qualquer frase que por ventura você dissesse.
E eu quis te abraçar! Te arrancar de seu aparente cárcere mental.
Quis afirmar que a vida é assim mesmo para pessoas como nós, cheia de desafios e lutas, e que tudo ficaria bem! Mas de repente pensei "e se o que ele pensa ou sente não ficar tudo bem?" e desisti, pois dar esperanças que não dependem de mim serem cumpridas, é brincar com um lugar sagrado no outro (e eu sei bem o peso e a dor de macular o que é sagrado para o outro...).
Boné surrado, pasta de mão descascada, espremido entre várias pessoas aleatórias no metrô... essa era a cena que aumentava a aparente deploração e tristeza de seu olhar (e o que secretamente me magnetizou para sua figura, singularizada em minha mente).
Em meu fone começou a tocar "De cada vez", e apesar da inabilidade vocal, quis cantar essa música a plenos pulmões, para que as palavras calassem em seus ouvidos e desanuviassem sua mente aparentemente sem luz.
Infelizmente não fiz nada do que fantasiei: não te abracei, não cantei para você, não prometi que ficaria tudo bem... apenas te encarei, observei e desejei que aquele não fosse um fim.
Como se minha mente tivesse bradado nos auto-falantes do trem aquele desejo, você me olhou.
E me senti cúmplice de seus sentimentos!
E me senti parte de sua história...
E me projetei no seu olhar e me vi na mesma aparente situação.
E você deu conta de fazer o que eu não fiz: se conectou à mim, sorriu com sinceridade e cansaço, como se me dissesse: "vai ficar tudo bem, irmão; a vida é assim mesmo para pessoas como nós: cheia de desafios e lutas".
Meus olhos marejaram e você entendeu!
Naquele momento, em um trem abarrotado de pessoas, só você conseguiria entender!
Sua estação chegou.
Houve um último olhar, longo e penetrante, como uma injeção de ânimo em minha alma, vinda de alguém tão sem energia quanto eu mesmo, e você girou o corpo e desceu do metrô.
Junto com você, desceu também meu pensamento: não estou só!
E até aqui, repito o mantra começado nesse início de noite, desta segunda-feira sem especialidade: "boa sorte, irmão de vida, de desafios e de luta! No fim, vai ter valido a pena."
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(Diário e sentimento explícitos. Foi forte demais para não merecer estar registrado aqui).
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