Pular para o conteúdo principal

Aparências



Ao som de "Óculos", Os Paralamas do Sucesso

Local: Praça da Liberdade, Belo Horizonte-MG
Situação: Aguardando o semáforo de pedestre abrir para atravessar a rua.
Motivo: Possivelmente Jesus testando minha paciência.


Naqueles idos 2013 eram tão raras minhas noites de folga que quando aconteciam era certeza de eu não ficar em casa. Atualmente eu fico em casa por necessidade de guardar dinheiro e da pandemia, obviamente (rsrsrs).

Mas aquele dia específico de 2013 foi bastante curioso. Estávamos em maio, e tenho certeza por ter passado alguns dias da comemoração para as mães.

Cheguei à "Liberdade" com o livro que me entretinha à época, uma garrafa de suco de amora com maracujá e dois sanduíches naturais feitos por mim mesmo (sim, estava de dieta na época; precisando voltar à ela, inclusive :/)


Pausa para receita esperta se estiver de dieta (algo me diz que Brenikito quererá saber a receita...):

Para os sanduíches: Faça um creme com ricota temperada e ervas frescas, cenoura, espinafre desidratado na hora, uma batata cozida, 1/4 de cebola ralada e uma lata de atum defumado. Passe em duas fatias de pão integral feito com multi grãos e coloque duas folhas de alface dentro. Se souber fazer seu próprio pão integral, fica ainda mais gostoso.

Para o suco, um caixa de amoras, polpa de um maracujá, 3 colheres de sopa de mel, uma lasca de gengibre e 1 litro de água gelada; bata tudo no liquidificador e envasilhe para transportar (eu prefiro não coar o suco).


Voltando...

É um dos meus passa-tempos favorito, principalmente após expediente de trabalho.

Naquele dia, após algumas horas de distração com um romance MARAVILHINDO de Victor Hugo (já disse que é um dos escritores que mais gosto?) e ter terminado meu lanche, me dirigia até o ponto de ônibus quando um rapaz parou ao meu lado. Aparentemente ele também ia naquela direção. E de repente ele virou para o lado e me encarou.

Ele era até bonito, mas alguma coisa em seu olhar me incomodava de um jeito que não sei se consigo descrever como você entenderia, mas vou tentar. Era um olhar de cobiça + desdem + desejo + arrogância + vontade.

Quando detectei tudo isso, me arrepiei de um jeito nada agradável. Olhei para frente e rezei bastante para o sinal abrir logo e eu atravessar rápido a rua e acabar com a situação.

Minhas preces não foram ouvidas (era um motivo fútil demais para Deus dar atenção, tirando que com certeza era anti-cristão eu tentar evitar alguém, então, Ele deve ter usado o ensejo para me ensinar... quem sabe?!). Sem ter passado nem 20 segundos, o rapaz se aproximou e disse:

"- Olá! Meu nome é X.... prazer. Qual seu nome?" (claro que vcs entendem que por questões éticas não posso divulgar o nome da pessoa).

"- Ei. Sou Éverton." - dei um sorriso sem graça, meio acanhado, meio querendo ser invisível.

"- Bonito e cheiroso você, sabia?"

Fiquei atônito. Eu ainda não havia me acostumando à facilidade com que as pessoas na capital dizem o que pensam e querem. Me limitei a um "obrigado!" baixo e voltei minha atenção para os semáforo, que por misericórdia do Universo, resolveu abrir.

Fiz um aceno de cabeça e comecei a atravessar. Ele veio atrás de mim (-_-).

"- Nunca te vi aqui pela praça e olha q eu venho aqui sempre!" - ele falou, dando uma risada meio grande demais para meu gosto. Minha antipatia começava a crescer. Os planos de Deus não estavam funcionando, pois minha paciência começara a fraquejar.

"- É uma praça grande e acredito que um volume bem extenso de pessoas vem aqui." - respondi com simplicidade, tentando encerrar o assunto. Obviamente que ele não se deu por vencido, aparentemente me acompanhando até o ponto de ônibus.

"Você pega seu busão aqui? O meu é mais pra baixo"

"Ah... legal. Sim, o meu é aqui." (entrementes, gritava para Deus: "estou implorando, manda logo esse ônibus")

Você que me lê deve estar achando que sou exigente e chato para arranjar um relacionamento. E lendo o que estou escrevendo, também pensaria assim. Mas acreditem quando eu digo que meu "sexto sentido" não falha quando se trata de certos tipos de pessoas. E não tardou para eu ter a prova que precisava.

"O que um homem bonito como você faz da vida?" - perguntou meu quase perseguidor.

Aproveitando a deixa para tripudiar e provocar ao mesmo tempo, contei uma pequena mentira, respondendo de jeito simples:

"Sou gari. E você, o que faz?"

O rapaz congelou por alguns segundos à minha resposta. De fato, me encarava e me analisava de cima a baixo e voltava a me encarar. Meu autocontrole nunca foi tão importante quanto naquele momento, pois embotei com todas as forças a vontade de rir e mantive a postura.

"-Você disse que é gari?" (ele enfatizou a última palavra)

"-Sim. Ou pode usar o termo Agente de Manutenção Pública, que é o que está na minha nomeação."

Novo momento de análise. Era nítido o quão confuso ele estava.

"- Você não parece um gari?"

"- Engraçado, não sabia que existe uma aparência específica para cada tipo de profissão..."

"Não é isso... mas você é super cheiroso, bonito e conversa bem demais para um gari. Geralmente os garis são um grupo de origem mais humilde." - falou tentando se justificar, mas sem emoção nenhuma na fala.

"Como disse antes, não sei que diferença faz minha aparência para minha profissão. "

Àquela altura, vi meu ônibus surgir lá longe. Hora do golpe de misericórdia.

"- Sabe, X... você é um homem bonito e se não fosse sua futilidade em ficar preso a status e ocupações, pelo menos amigos podíamos ser, mas vejo que para você isso não é importante, já que parece tratar todos pela aparência que têm e não pelas pessoas que são. De toda forma, obrigado pelos elogios. Ah, e outra: todos os agentes de manutenção pública que eu conheço, são mais bonitos e cheirosos que eu." - dei uma piscadela e entrei em meu ônibus.

Queria poder dizer que fiquei orgulhoso de mim ou de minha atitude, mas não consegui me sentir assim. Aquele olhar meio arrogante que ele tinha deu lugar à uma mágoa-irritada.

Achei um lugar no ônibus e voltei para casa com uma sensação de derrota gigantesca.

Percebo agora que essa sensação só passou depois que escrevi tudo isso, e não pela catarse em si, mas por conseguir admitir hoje que fui eu quem julguei o outro a partir de meus critérios, crenças e preconceitos.

O jeito que X pensa é comum para maioria das pessoas, sobretudo aquelas com alguma escolarização. Para mudar esse pensamento, toda a estrutura social precisaria ser mudada e não seria com um ataque cruel como eu fiz que ajudaria (não naquele caso).

Por outro lado, eu usei de todo meu cabedal intelectual, vivências e sentimentos e despejei contra ele, sem ao menos dar a chance de se recompor ou construir um diálogo mais organizado e lúcido. Talvez eu tenha até piorado a visão que ele tem sobre um grupo de trabalhadores e a sociedade como um todo... :(

Fui imaturo e irresponsável com o sentimento alheio, além de tão preconceituoso quanto eu o acusava. Quero acreditar que os anos me ajudaram a mudar e que sou mais acolhedor atualmente, com a esperança de que Deus me dê a chance de reparar essa situação ainda nessa vida.



(diário e sentimentos explícitos; é bem bom o sentimento de crescer...)

Comentários

Naiara disse…
Como você consegue manter uma linha racional para escrever tão bem? Admiro Muito, mas mais admiravel o reconhecimento do erro. Difícil, talvez seria anos de terapia somados ao como terapeuta e ainda ao ser humano maravilhoso em busca de melhorias te tenha trazido a este local e tenha certeza que te levará muito além.
:*
Peregrinolunar disse…
Texto muito bem escrito. Essas situações tem muito a ensinar.

Postagens mais visitadas deste blog

(entre)Caminhos

Ao som de "Runaway", The Corrs E conhecer-te é transcorrer letras e palavras não estranhas, e perceber que o que sentes é o que sinto (por pessoas diferentes até quando?)... Não sinto medo deste percorrer. Queria ir mais rápido e veloz por esta estrada de letras-sorriso e sentimentos-olhares  e te encontrar por entre as exclamações e seguir contigo para um final feliz. Me deixa guiar-te pelas virgulas e interrogações que possam se nos apresentar? E entender-te é entregar-me de pensamento, sentimento e corpo para que modeles como quiser e, quem sabe, ter um amor só seu para gostar e eu ter um amor só meu para voar e termos um amor só nosso para viver... E desejar-te, infelizmente, parece apenas um sonho do qual não quero acordar agora, pois que traz um sorriso em meus lábios e uma esperança em meu coração... Mas querer-te, mesmo que a realidade me esmague as intenções, é ser um pouco mais feliz e perceber que isto nunca mudará, pois que mais que com imagen

Um Brenikito em minha vida

(a foto mais engraçada e que mais gosto nossa) Ao som de "A Amizade", Fundo de Quintal Tem tempos que não escrevo um texto meloso e hoje acordei com essa necessidade. E mais que uma necessidade, um preito de gratidão que é importante expressar. Antes, um relato rápido: Quando criança, na escola primária, eu conheci um menino bochechudo, SUPER loiro e com os olhos mais azuis que só tinha visto em desenhos animados, até então. Depois de alguns desentendimentos, esse menino virou o meu melhor amigo. Estávamos sempre juntos e o máximo que eu podia, estava na casa dele e ele na minha. Com o tempo, como todo menino loiro de olhos azuis dos anos 90, ele se tornou popular na escola e eu, o negro amigo dele, nem tanto. Mas não é sobre isso que quero falar. Aconteceu que quando faríamos 15 anos de idade ele faleceu atropelado por um carro que não deu assistência ( assunto para outro post, podem esperar ). E meu mundo pareceu acabar na época. O Fê era