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"Emputecido" part I - Escolarização


Ao som de "O quereres",  Caetano Veloso

Sabe o que me irrita em uma parte dos trabalhadores do serviço público ou dos teóricos e idealizadores de projetos "sociais"? A quantidade de merda baboseira que falam.
Antes, contudo, de eu relatar o ocorrido, deixe-me esclarecer certos detalhes pra tornar mais claro o meu "emputecimento":

1 - Acho inútil certos treinamentos em que a explicação de um serviço projeta o ideal e não o real do que acontece no dia-a-dia;
2 - Reuniões depois do almoço são inúteis para a maioria, porque estudos comprovam que o raciocínio fica mais devagar uma vez que está acontecendo a digestão. Logo, ninguém presta atenção de verdade estando com o estomago cheio, no calor da tarde e num falatório interminável;
3 - Detesto conclusões, como diria meu gerente, simplistas demais.

Dito isto, vamos ao acontecido.
Nesta terça-feira, dia 16/10, houve reunião intersetorial no meu serviço, evento que já está acontecendo há algumas semanas. Nele, cada serviço da Regional explica os objetivos, a metodologia e o alcance do seu setor. Tudo para tentar facilitar nosso trabalho no que se refere aos tramites e entradas burocráticas do sistema governamental.
Como eu tinha dito, reuniões à tarde são um saco. Junte isso com o fato de ser após o almoço (banzo indiscutível), num calor de 32º C (de estado de obnubilação para transe irrefreável) e com alguém que consegue falar mais monotonamente que o Lula Molusco (de transe para catatonia em 3, 2, 1...)... Imaginou? Pois é... esse era o meu estado na reunião: mais dormindo que acordado (não tenho vergonha de admitir que estava terrivelmente chato).
Contudo, entre o cochilar e um despertar, mesmo com meus colegas mais disciplinados, ou mais hipócritas, rindo da minha situação, acabei ouvindo algo que me despertou completamente. Assim como uma descarga elétrica percorrendo em alta velocidade um corpo metálico, aquela frase trouxe em mim um desconforto imenso, tamanha foi minha incredulidade.
A senhora que coordena o programa "Família-Escola" em minha unidade (que por mero respeito não direi o nome dela ou a qual unidade pertenço) disse exatamente assim:

"- Graças ao governo, as crianças estão entrando cada dia mais cedo na escola, com 3 ou 4 anos de idade, e dessa maneira a gente comprova que a população está mudando para melhor em qualidade moral e para uma educação de qualidade, que está cada dia mais forte e segura..."

Durante alguns minutos, sem que eu consiga precisar quantos, fiquei olhando bem para aquela senhora que certamente vem de longos anos dentro da área da educação. Talvez mais anos que eu tenho de vida. Percebia naquele olhar firme as inúmeras batalhas que ela viveu dentro da área educacional. Porém, não conseguia crer que ela mantinha seu discurso a favor deste posicionamento.
Talvez você que me lê esteja achando que não sou otimista ou que não compreendo a situação como um todo. Digo que sou otimista, mas não sou bobo e sim, eu compreendo a situação de uma ótica mais ampla que muitos outros.
Sou "fruto" do sistema educacional, uma vez que toda a minha família é composta de professores (pai, mãe, irmãs, tias, primos...) e eu mesmo tenho uma "queda" profissional pela área da educação. Aliado a isso, como psicólogo, consigo perceber certas nuances no "fazer a vida" que outros profissionais não consegue. Talvez por este último motivo não aceito que digam que colocar uma criança mais cedo na escola resolva os problemas morais da sociedade brasileira e tão pouco faça com que a educação seja de qualidade. Se fosse assim tão simples, era só colocar as crianças em tempo integral na escola, assim que nascessem, que nenhum outro problema social haveria.
A prática mostra exatamente o contrário!
Infelizmente vivemos um momento em que os pais estão jogando a responsabilidade da educação de seus filhos às instituições educativas, dispensando todos os momentos que poderiam estar com seus filhos. E as escolas, na figura de seus funcionários, não conseguem nada além de banalização popular e governamental, mixarias como salários, escárnio do alunado, desrespeito das outras classes trabalhadoras e sobrecarga dos pais irracionais e incompreensíveis.
Para os pais a situação é agravada com os aumentos irracionais dos impostos e juros, a estagnação dos salários, a necessidade de sustentar a família e, desculpe a todos, o querer ter mais do que ser, faz com que eles, essas pessoas, se afastem cada vez mais do convívio familiar por não saberem nem mesmo o que querem para si próprios.
Quantas não foram as vezes que eu ouvi: "nossa, mas não dá pra ficar com meu filho durante as férias também não?" ou "Eu trabalho o dia inteiro e o merdinha ainda fica me enchendo o saco quando chego em casa!". Nesses momentos eu digo: "- Por que você não segurou a sua (o seu) perereca/pau libido e usou preservatívo? Não adianta culpar seu filho porque ele sente a sua falta mesmo" (claro que na mesma hora eu começo a rezar e, com todo carinho que tenho por ele, o anjo da guarda que se vire, rs, mas não vou deixar de falar o que aquela mãe ou pai precisam ouvir).

...

Não é colocando as crianças mais cedo nas escolas que faremos homens e mulheres desenvolvidos, muito menos gabaritaremos a qualidade da educação. Isso será conquistado quando os filhos puderem se entrosar afetiva e sinceramente com seus pais e quando os pais conseguirem se permitir viver momentos tão únicos quanto cuidar e criar uma criança e entregarem-se plenamente na beleza desta construção divina.
Espero sinceramente que um dia a hipocrisia deixe de fazer parte das reuniões nos planejamentos do desenvolvimento social para dar lugar à lucidez e à vontade de fazer e mudar uma realidade sofrida.
Espero desesperadamente que os sujeitos sejam mais humanos a ponto de viverem suas relações de maneira saudável e temporal, aproveitando ao máximo aquela companhia e sentindo-se abençoado por desfrutá-la.
É na força da relação amorosamente sã que veremos crescer pessoas, povos e civilizações moralmente maduros e, por que não dizer, verdadeiramente cristãos. Anseio esses dias...


(acho que estou melhor depois de ter escrito isso, mesmo que sem colocar tudo o que era necessário; quem quiser, me procure depois no msn ou twitter pra conversarmos mais e melhor)

Comentários

Unknown disse…
A educação não é somente da competência da escola, uma vez que a base da formação de um ser venha de seu berço e concordo com o que foi dito nesse texto, os pais devem está presentes nesse crescimento de seus filhos porque não só estarão educando como também conhecendo seus filhos no pouco tempo que passam juntos com a rotina que permite muitas vezes o convívio apenas no final do dia.
A educação tem que melhorar na prática e não será com anos a mais no currículo que mudará o rumo da história.
Abraços!
Anônimo disse…
Entrar nestas leituras/conversas, pra mim é um pouco doloroso, uma vez que no meu primeiro contato em sala de aula com o olhar de observador, senti uma imensa frustração, estava tão empolgado pra falar de um fato histórico que tanto admiro " FEVOLUÇÃO FRANCESA",pra aquela turma 2ºano do ensino médio, passei dias sem dormir montanto um jogo junto com meus colegas de equipe, estavamos todos cheios de expectativa, fomos pra sala conversamos com a professora regente, conversamos com a turma e começamos a aula, nossa, fiquei com lágrimas nos olhos ao ver aquela turma toda grande e jovem,mas minha empolgação não durou muito, em espaço de 10 minutos, aquela turma do ensino médio conseguiu me transportar pra 25 de março, era uma gritaria, confusão mental, o velho 'samba do criollo doido'...
Sai daquela sala emputecido e depois disso até da Licenciatura, desisti!

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