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Ao som de "I feel pretty/unpretty", Glee

Outro dia estava andando pela rua com um grande amigo. Discutiamos futilidades, o que é muito bom para desestressar. Tanto um quanto o outro dizia dos desejos e sonhos de honra, glória e poder que nos assaltava o íntimo, rindo alto e chegando à conclusão de que talvez Deus tenha acertado quando dos mandou pobres e sem a "honra e glória" do mundo.
Tudo ía bem. Paramos para tomar sorvete (o meu, de limão com castanhas de caju, calda quente de chocolate e cobertura de morango, como sempre). A conversa prometia ir longe e, se dependesse do nosso repertório, uma vida seria pouco (rs). Mas um encontro inesperado mudou os planos, em parte.
A princípio nem dei atenção à pessoa que estava entrando na sorveteria; vi apenas que era um homem. Olhei sem dar muita atenção, e continuei conversando com meu amigo. Não mais que dois minutos depois, ouço ao meu lado:

- Oi, Éverton! Beleza?

Um pouco surpreso com aquele cumprimento (minha vantagem é que sei disfarçar bem), cumprimentei o mais educadamente possível, tendo o cuidado de não falar o nome do "cara" para não cometer um gaff:

- Opa... estou bem sim e você?
- Tô bem! E a família, como vai?
- Graças a Deus, todos bem. E o seu trabalho (como nem identifiquei quem era, mesmo que vagamente familiar, preferi não arriscar muito; apenas torci para ele estar trabalhando ainda)?
- Ah, vai bem... tem que trabalhar muito pra conseguir ter uma graninha, né?! (ele riu alto e eu acompanhei... estava uma situação bem estranha e meu amigo estava percebendo, porque estava desfarçando o riso! É nessas horas que detesto grandes amigos... eles nos conhecem direitinho).

Alguns segundos de silêncio se transcorreram, porque eu não arriscava dizer mais nada, até que:

- Nossa, o que você fez para emagrecer assim? Me ensina?! Você tá bonitão!

Se antes estava um pouco surpreso, agora eu estava visivelmente surpreso. Quem era esse que sabia que já fui gordo? Não tenho nada contra ser gordo ou contra as pessoas gordas, mas já fazia mais de dez anos que eu era magro. Passei por vários estagios com meu corpo ao longo desses anos: gordo, magro, muito magro, magro, malhado, fofinho e novamente magro (mais definido, agora)...
Naqueles milésimos de segundos entre a pergunta/pedido e a resposta que dei, voltei no tempo e lembrei de quando era gordo. Estava no Ensino Fundamental, na escola pública perto da minha casa. Mesmo com aquele corpo, eu era muito feliz. Tive a sorte de ser um jovem querido pelos colegas (talvez porque sempre fui muito inteligente e não negava ajuda aos... menos afortunados nesse quesito, rs). Não cheguei a ser alvo de bullying na adolescência.

- Uai. Depois do vôlei, mantive... corrida em volta da praia (é assim que nós em Lagoa da Prata chamamos a lagoa que tem aqui), ballet, tenho cuidado com o que como. - foi o que respondi, agora prestando bem atenção naquela pessoa e me detestando por perceber, dentro de mim, que conheço ele, mas sem conseguir lembrar o nome.
- Nossa Éverton Newton! Você faz ballet? Que massa... você tá bonitão! Ainda bem que minha namorada não reclama do meu corpo, mas eu não gosto de como fiquei.

Aquele "Éverton Newton" fez cair a ficha (ou os créditos, para quem é mais moderno que eu, rs). Apenas um colega meu no Fundamental me chamava assim, justamente pela minha inteligência. E acho que consegui disfarçar bem meu susto.
Novamente em milésimos de segundo, deixei que as asas da lembrança me levassem de volta no tempo. Vi o rapaz mais bonito da escola na época: corpo invejável, divertido, engraçado, descontraído, esperto, mas pouco inteligente, bonito, popular... tudo o que eu não era e nem imaginava que seria possível me tornar. Era (e parece continuar sendo) uma pessoa simples, apesar de tantas características que pudessem desvirtuar seu caminho.Quantas vezes eu já quis ser como ele! Quantas vezes queria jogar tudo para o alto e ser um pouquinho do que ele era na escola...

- Sabe (vou manter o nome em sigilo por questões de ética), acho que precisamos gostar de nós como somos. Emagreci por uma questão natural: exercícios continuados fazem emagrecer. A quantidade de atividades que tenho a muito tempo me ajudam a manter o peso, mas não sou fissurado por isso. Senão, seria o bombado do momento. - disse à ele, rindo.
- É... você tá certo. E continua inteligente, pelo visto (ele riu). Isso é bom: inteligente e bonito... a mulherada deve disputar a tapa (dessa vez foi minha vez de rir). Agora que estou ficando inteligente (rimos todos). Depois, volto a ser bonito. Ai você vai ter uma disputa acirrada!
- Vou adorar. Mas, pra mim, a beleza real você sempre teve. Sempre foi humilde... isso é dificil de encontrar.

Nos despedimos. Enquanto ele se dirigia para o carro dele, percebi que minha fala o emocionou, porque também me emocionou. Naquele momento percebi que todo o meu desejo adolescente se configurava em ser tão humilde como ele era e continua sendo, porque sempre aprendi e soube que a beleza física um dia iria embora, mas a verdadeira beleza permaneceria para sempre.
Hoje sinto que estou ficando bonito. Para aqueles que gostam do físico, devo chamar atenção por ele também, mas sou mais do que meu corpo mostra.

(diário explícito... gosto deles, rsrsrsrs, como agradecimento pelos elogios e convite a conhecerem o Éverton "interior")

Comentários

André Pádua disse…
Como sempre, uma narrativa que prende a atenção, tanto pela forma como é descrito o texto, tanto pela história em si, que vindo de você, Evertom "Newtom", sempre estará de encontro com o extraordinário. Em síntese, parabens por mais um texto excelente.

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